Os outros são o espelho onde nos podemos ver de um ângulo impossível. Eles são a metáfora, a ilustração do real. É nos outros que nos podemos ver. São eles que têm a pista que falta. Mas para isso temos de estar na disposição de ver; temos de estar na disposição de olhar; temos de ter a capacidade de olhar no espelho olhos nos olhos; temos de vencer o horror e a desilusão de percebermos que estamos a ver em nós próprios coisas que não imaginávamos, como se essa imagem contasse uma verdade que nos custa aceitar, que não reconhecemos em nós, que nos diz - que nos acusa - do que pensámos estar longe, coisa só dos outros, nunca nossa.
Ora, neste processo, o seu papel enquanto espelhos, é fundamental. Na crítica dos outros, na sua visão, nas suas reacções, podemos ver-nos. É fácil dizer-se: "a crítica dele é injusta". É mais difícil dizer: "o que é que poderá haver de verdade nesta crítica?".
A auto-consciência nasce da crítica. Da auto-consciência nasce a auto-crítica, e uma auto-crítica razoável e ajustada leva ao auto-conhecimento. Para tal requer-se uma alma forte. Vencer, neste sentido, é vencer o horror dessa visão. Manter-se a pé diante dela sem desfalecer, nem negar, requer coragem. É então que começa o caminho para a auto-transformação. Olharmo-nos é admitir que "nós somos o outro"; aceitarmos aquilo que vemos é propriamente "vermo-nos"; transformar o que vemos é vencermo-nos.
«O Inferno são os outros» - Jean-Paul Sartre.
E o único caminho para o Céu.
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