«O grande mestre segue a sua própria natureza e não os aparatos da vida» - Tao Te Ching, estrofe 38
Existem mil e um apelos no quotidiano, mil e uma maneiras de distracção, de entretenimento, e mil e uma maneiras de nos esquecermos de nós mesmos. Frequentemente perseguimos sonhos e objectivos que não são nossos na expectativa de agradarmos a alguém, de sermos reconhecidos, de sermos aplaudidos pela sociedade. Tudo isto são coisas que consomem toda a nossa riqueza existencial, e por riqueza refiro-me ao tempo de vida, a única riqueza real e justamente distribuída.
Quantas vezes poderá ter acontecido que o homem chegue ao final da vida e sinta tê-la desperdiçado? Talvez muitas, se bem que todos somos especialistas em nos justificarmos e a encontrar argumentos para a nossa própria apologia. Provavelmente é necessário um caminho áspero de sofrimento e angústia para pararmos um pouco e nos obrigarmos a reflectir (biologicamente parece ser essa a função da tristeza, do luto, por exemplo). Por outro lado, talvez haja a necessidade de uma certa sensibilidade para esse "olhar-dentro" que falta à maioria. Existe, é preciso dizê-lo, uma mestria própria em sermos capazes de nos olharmos, de nos ouvirmos, de nos conhecermos a nós mesmos. Não que ela seja dada, mas fruto de uma busca empenhada e atenta. Ao fim de um tempo de andarmos às cegas, vamos sendo capazes de ver o nosso interior com mais clareza e a entendermos a pouca utilidade de perseguirmos objectivos que não são nossos, coisas emprestadas a que nos agarramos como uma onda que se desfaz, e a que nos apegamos hoje para as perdermos amanhã. A grande direcção vem de dentro, sabendo nós também a certa altura, que "dentro" é apenas uma metáfora, pois ele não tem lugar. A voz genuína desse deus que não tem Céu mas todos os lugares, e que não usa boca para falar, nem o ar para se fazer ouvir, é a voz que nasce da Harmonia. A sintonia connosco e a não-transgressão da justiça e da Natureza das coisas é a via para que o ouvido interno possa escutar a direcção correcta e não se perca. Quando nos falta a luz do conhecimento claro - e a quem é que não falta? - temos de usar esse órgão mais sensível de percepção: a sensibilidade do coração, para podermos seguir a nossa própria natureza. Os aparatos da vida não são o nosso caminho, são os arbustos que o ladeiam. A nossa própria natureza é a estrada que conduz ao palácio da Paz.
Sem comentários:
Enviar um comentário