quarta-feira, 14 de abril de 2010

A demanda do dia claro

«O que um homem "aprende" é na realidade apenas aquilo que ele descobre ao tirar as envolturas da sua alma (...) O progresso no conhecimento é o resultado do processo de descobrir» - Swami Vivekananda, Karma-Yoga

Descobrir é retirar o que está a mais - a cobertura - aquilo que esconde por baixo de si algo que não pode ser visto. Digamos que na sabedoria oriental este seja um conceito comum, em que, rejeitando a ênfase na "aquisição" (de conhecimento), o discípulo tem antes a tarefa de tirar o que está a mais, aquilo que oculta e obscurece o que é essencial. Mas será isto dizer que após esse processo iremos deparar-nos com algum deus todo-poderoso? Não. Apenas connosco próprios na nossa finitude, nas nossas forças e limitações. Porém, um Eu já não iludido em fantasias e falsos conceitos. Essa nudez com que nos vemos, após nos despirmos das roupagens, das falsas fés e dos enganos protectores com que nos revestimos, é um núcleo-essência onde está inscrito o nosso nome junto às nossas possibilidades. Esse núcleo é o nosso eu mais íntimo, a nossa natureza própria, a própria alma exposta à luz da nossa visão clara.
De certo modo, verdade seja dita, não é este o processo habitual com que nos confrontamos: de modo muito generalizado mais procuramos adquirir e acrescentar, do que descobrir, desvelar os véus que nos cobrem. Tal como o viajante que teme morrer de frio, revestimo-nos de muitas capas e coberturas onde já não nos conseguimos ver e reconhecer, perguntando-nos: "o que é feito de mim?", "onde fui eu parar?", sem podermos discernir o lugar onde estamos. Não que seja errado fazê-lo, se a alma assustada receia pela própria vida e se quer esconder de elementos exteriores impiedosos. Porém, o percurso inverso pode ser feito, desde o momento em que a nossa auto-consciência, livrando-se progressivamente do medo e fortalecendo-se, for conseguindo "descascar" as suas envolturas. É um processo de coragem e auto-enfrentamento, e seria perigoso dizer-se que o resultado será este ou aquele: aquilo que está oculto não pode ser conhecido até que seja visto totalmente. Esse "Eu-Si-Mesmo" que então se revela poderá ser diferente do que imaginámos, e é por isso que esta tarefa é um processo e uma caminhada lenta: para que possamos ir habituando os olhos a uma luz mais forte e não cegarmos prontamente. No fim (se houver fim), iremos deparar-nos apenas connosco, um "eu" que desconhecíamos, um novo "eu". Que visão! É a verdade que nos fala de dentro de nós. Não se trata já do velho reflexo em espelho, mas da sua visão directa, intuitiva, quer dizer, sem mediação, sem atalho, sem apoio ou ponto operativo. Esse é o verdadeiro conhecimento - como um relâmpago que cai e rasga a Terra - ele sabe sem pensar que sabe; ele conhece sem precisar de saber que conhece. É um dia claro com mil pontos de luz.

«Se a aprendizagem não é conhecimento intuitivo, ela é inútil» - Tengu-Geijutsu-Ron

1 comentário:

pedro disse...

Vestimos pele de actor num cenário tecido por um enredo intrincado. Não é tarefa fácil despir essa pele e sermos nós mesmos. A páginas tantas, saberoms de facto qual dos dois o é mesmo?

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