quarta-feira, 7 de abril de 2010

Liberdade / Libertação

"Liberdade", pelo uso corrente que tem, não permite perceber na justa medida o que significa realmente. Não vou, por isso, tocar nessa abstracção enquanto tal, mas sim como atributo relativo à alma humana. Dizia Cícero que «Somos por conseguinte servos da lei, a fim de podermos ser livres» (Defesa de Cluêncio). Claro, esta é uma afirmação política, mas, mais do que isso, encerra uma verdade geral: o serviço liberta. E esta é a verdadeira acepção que nos interessa aqui: a de "libertação".
"Ser livre" pode ser entendido como "aquele que não tem laços", "aquele que nada o prende". Ora a liberdade não exclui os laços, os vínculos - é a ultrapassagem disso. E a palavra "libertado", para este efeito, é mais exacta e convém-nos mais, do que "livre". Libertado é aquele que atingiu a liberdade por algum tipo de esforço. Livre designa um estado, erroneamente tido por invariável. Libertação é o produto de um processo de luta - apela mais à ideia de um trabalho consciente e orientado para um objectivo.
No âmbito do nosso tema maior - vencermo-nos a nós mesmos - a libertação das grilhetas dominadoras que nos paralisam (os "fantasmas" da nossa alma), é resultado do nosso esforço empenhado. Não quer dizer que não existam laços; não quer dizer que estejamos livres do nosso dever como se fôssemos inconsequentes. Quer dizer que o cumprimos com liberdade, e cumprir com liberdade é cumprir, não com medo do castigo, mas por vontade (vontade livre). É cumprir, não com vista a uma recompensa, mas com o coração. É comum dizer-se "dei de coração" como que a dizer-se "dei-o em liberdade"; não coagido pelo medo, nem pelo interesse próprio. Este é o verdadeiro sentido de "liberdade". Aquele que é escravo do medo ou do interesse não age por liberdade, pois eles escravizam-nos a um propósito. Vencer-se a si mesmo é um processo de libertação progressivo, concreto e consciente, fruto de uma auto-gestão sábia.

«É essa a natureza da multidão: ou serve humildemente [escravidão] ou domina com arrogância [tirania]; a liberdade, que fica no meio, não sabem construí-la moderadamente nem mantê-la» - Tito Lívio

«Mas ao varão, viver da verdadeira virtude animado cumpre,
e com coragem apresentar-se inocente perante o adversário.
É essa a liberdade, a que dá um peito puro e firme» - Énio

(Citações latinas em Estudos de História da Cultura Clássica, Cultura Romana, Maria Helena da Rocha Pereira, Fundação Calouste Gulbenkian)

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