quarta-feira, 14 de abril de 2010

Vertigem e superação

«É por amar a vida e por agarrar-se a ela que nela se sofre. Quando o homem está angustiado e agitado em todas as fibras do seu coração, como no Inferno dos Três Mundos, isso prova apenas que está encarando a vida de modo erróneo» - Tengu-Geijutsu-Ron

Amar e agarrar-se à vida é ter apego às coisas transitórias que nela há, todas as coisas que, como num caleidoscópio, aparecem e desaparecem contra a nossa vontade jogando connosco um jogo de gato e rato, hipnotizando-nos de prazer e dor. Face a esse vaivém de agrado e desagrado em que nos achamos, somos vítimas de nós mesmos e das nossas ilusões quando nos deixamos seduzir pela sensação que partiu levando a alegria consigo, e por esta outra que agora chegou impondo-nos tristeza. E no meio de toda esta transformação somos nós que somos jogados por ela e lançados como dados nas mãos do jogador sem ter direito a opinião.
Esse sofrer como no Inferno dos Três Mundos designa um estado de suprema angústia que surge depois de nos termos agarrado a uma certa sensação de bem-estar que desejámos permanente, e de termos acreditado nas suas promessas. Então ela desilude-nos, deixando-nos sós, a braços com um vazio, saqueados na expectativa de felicidade duradoura.

«No objecto de cada um dos órgãos dos sentidos residem atracção e repulsa; não caias sob o seu poder, porque são brutais salteadores de estrada» - Bhagavad-Guitá, 3, 34

Caídos neste estado, espoliados das nossas melhores expectativas , abeiramo-nos de um abismo da alma, terror de vazio, e esse sofrimento diz-nos uma coisa apenas que devemos escutar: estamos a encarar a vida de modo erróneo. Precisamos de nos inteiriçar de corpo e espírito, de acordar desse transe hipnótico com que o abismo nos seduz e dar um passo atrás para achar o caminho de volta a lugar seguro. É lá que está a nossa origem, a nossa terra firme, aquela a que temos de constantemente regressar depois da decepção. Ainda que, repetidas vezes, caiamos vítimas do canto dessas sereias, é nosso dever voltar ao porto, lugar de origem, reencontrarmo-nos connosco próprios. Quando isto acontece a paz é o sinal que o nosso espírito encontrou descanso (ao menos por ora); encontrámos o rosto familiar, esse amigo perdido que somos nós mesmos.

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