segunda-feira, 19 de abril de 2010

O querido e o desprezível como ficção útil, a sacralidade inerente das coisas e o amor super-moral

Entre o reconhecimento e o desprezo está implícita uma noção de valor, de moral e de apreço. Todas as coisas estão sujeitas a uma escala de valoração, muito ou pouco definida, que determina a sua sobrevivência ou extinção. É conhecida a asserção de Nietzsche, na Genealogia da Moral, de que o homem é "aquele que mede", asserção formulada a partir de uma certa etimologia da palavra.
Nos vários códigos morais que o homem criou, isto torna-se muito claro: as 10 mandamentos de Moisés são proibições de origem dita divina, mas de objectivo e aplicação social como forma de legislar o funcionamento harmonioso de um grupo. A questão que se coloca é: a utilidade de uma coisa determina o seu valor? Não, porque não há nada sem utilidade. Tudo o que está inserido nesta enorme "rede" de existência, está-o sempre imbuído de espírito cooperativo (em macro-escala), se bem que a um nível mais estreito possa estar em conflito. Porém, até mesmo as destruidoras forças de conflito desempenham um papel nada desprezível na grande economia Universal - as forças em conflito também são criadoras.
Assim, a questão da utilidade de uma coisa, do ponto de vista da economia do Universo, é questão que nem se coloca: quer se goste ou não goste; quer seja benéfico ou danoso para o social, quer seja desejada ou não, não há uma única coisa que tenha valor nulo - as nossas aspirações e noções sociais de desejável é que assim as classificam. Tudo o que existe está sancionado por uma "sacralidade inerente" à sua própria existência e, deste ponto de vista, é inclassificável e amoral. A única coisa de valor zero é aquilo que não existe. Não significa isto que possamos dispensar os nossos códigos, mas apenas que há um "código" mais justo e mais vasto. Provavelmente até, se o homem fosse erradicado da Terra (ele que tanto gosta de valorar) seria reduzido precisamente ao valor nulo da não-existência, e esse desaparecimento não deixava de ter um impacto zero e de ser uma irónica justiça auto-sentenciada: o julgador é julgado; o ganancioso é preterido; o caçador é caçado; o discriminador é discriminado. Tudo o resto se manteria indiferente. Precisamente porque o "medidor" já não existiria, eis a prova que a utilidade não determina o valor.
Nesta coisa dos juízos há uma grande macaquice, que é um referencial de sabedoria, não divina mas humana, que pretende fazer crer que conhece o valor das coisas. Felizmente que o valor das coisas não varia com os juízos e se mantém, desafiando a nossa ignorância. A justiça da época condenou Galileu e as suas teorias físicas e, independentemente de elas serem certas ou erradas, é o juízo sobre elas que está em causa, não a Terra ou o Sol. É a nossa estreiteza moral que nos julga e condena; é a nossa generosidade que nos iliba; é o nosso amor que nos salva. Fazer algo em nome de alguém que não nós alijando a responsabilidade é a marca do escravo moral. E o único acto verdadeiramente moral é aquele que se faz com consciência e envolvimento, mas isso já é um acto de liberdade e entrega que dispensa todo e qualquer preceituário - a moral é transcendida, não obstante ser cumprida ou não - porque o acto verdadeiramente moral é feito apesar dela e não por causa dela.

«Aquilo que se faz por amor, faz-se para além de Bem e Mal» - Nietzsche

Porquê? Porque o Ser está comprometido e preenche de sangue e sentido o esqueleto frio da moral - confere-lhe vida e ultrapassa-a.

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