domingo, 18 de abril de 2010

A cola do Universo

O amor é a cola do Universo.
Já todos ouvimos dizer que "o amor é cego" ("quem feio ama bonito lhe parece, etc.). Escusado será dizer o que isto significa: o amor é capaz de distorcer as nossas percepções e de ver coisas onde não as há. Logo, a nível da exactidão dos sentidos é como se vê. Mas, para além disso, o amor também é burro. Quando alguém se sacrifica por outro e se coloca em segundo lugar, é sinal de pouca inteligência (e que diríamos de uma mãe que dá a vida por um filho?). Isto de perdermos para outro ganhar não é coisa lá muito esperta, temos de concordar. "O amor é reciprocidade (dar e receber)" - outro mito. O que mais se vê por todo o lado é gente que ama e não recebe nada em troca. Que quer acreditar numa imagem idealizada que fizeram do outro, e o outro, para lhes pagar, dá-lhes aquilo que tem de pior: desprezo, rejeição, desrespeito, maus tratos de toda a ordem, etc. E o amor, é um sentimento? Falso. Amor é dádiva. Tudo neste Universo existe em função da dádiva. Mas é preciso entender isto: o pólo fundamental da dádiva - o único sobre o qual devemos derramar a nossa atenção de estudantes - é o de quem dá. Dar-se é um conceito absoluto e completo, independentemente de haver quem receba. Dar-se, entregar-se (chavões mal entendidos do dia-a-dia), é algo que jamais será entendido por quem continua a não querer aceitar "dádiva" por si só; sem contra-partida. Esse Cristo, que muitos crêem ser Deus, o que recebeu ele dos homens, desde o momento em que creiamos que morreu por eles? cuspidelas e vergastadas. Que recompensa recebeu Camões dos portugueses, ele que tanto os amou? Morreu cheio de fome e pústulas! O que é que ganhou Van Gogh com a arte que nos deixou, ele que em vida não conseguiu vender um único quadro e vivia das esmolas do irmão? Digamos que o amor anda mal pago. Mas aí é que está: o amor não tem nada a ver com pagamentos. Amar é dar-se. É entrega e dádiva. E isso é tudo; fim de questão.
Seria ambicioso demais pôr aqui com todas as letras que tudo no Universo segue esta regra, a da dádiva (desde o Sol à abelha-mestra na sua colmeia), porque seria arrogante da minha parte apresentar um Universo antropocêntrico sem explicar que tudo o que nele há está-se nas tintas para o ser humano. Que importa ao Sol que nos aqueçamos com ele, ou à abelha que gostemos do seu mel? Mas a dádiva deles não é, por isso, menor - é total - porque para eles a questão de quem recebe não se põe; muito menos a de receberem de volta.

«o sábio deve agir mas, por completo, da acção liberto e puro, só com o fito de manter o mundo coeso» - Bhagavad-Guitá 3, 25

«O Brahma, que impregna tudo, permanece eternamente baseado em sacrifício» - Bhagavad-Guitá 3, 15

«Porque duram o céu e a terra para sempre? Eles não vivem apenas para si. É esse o segredo da sua durabilidade» - Tao Te Ching, estrofe 7

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