quinta-feira, 15 de abril de 2010

Esvaziar e voltar a encher - o fole da progressão

«Trinta raios convergem para o meio mas é o vazio do centro que faz avançar o carro. Molda-se a argila para fazer vasos, mas é do vazio interno que depende o seu uso. Uma casa é fendida por portas e janelas, é ainda o vazio que a torna habitável. O Ser dá possibilidades, mas é pelo Não-Ser que as utilizamos» - Tao Te Ching, estrofe 11

Existimos porque ocupamos um lugar vago para existirmos. Se vemos alguma coisa ao longe é porque há espaço livre entre nós e o objecto. Se podemos escutar um som é porque o ar está suficientemente livre de ruído para o podermos escutar (e a mesma coisa para o ruído). O lugar onde a própria Terra paira e gira é um "tecido" de espaço e tempo, tal como postula a teoria da relatividade, tecido esse que está livre enquanto ela lá existe.
É claro que o vazio é apenas um dos lados da questão: se não houvesse aparelho auditivo, nada poderíamos ouvir; se não houvesse visão, nada poderíamos ver; e a possibilidade de compreensão advém de um meio de compreensão próprio, mas só poderemos compreender se o lugar do entendimento não estiver já ocupado. É este o efeito danoso de todo o dado adquirido que não é questionado. Precisamos de "ocupar o terreno", é certo, para nos podermos orientar, mesmo quando as nossas concepções não passam de preconceitos (e todos os preconceitos têm, afinal, uma função), mas se queremos interrogar determinado conhecimento, temos de colocar esse lugar "à disposição" para algo novo e mais acertado.
Despojarmo-nos do conhecido, pô-lo em causa, é desconfiar dele e esvaziar o lugar preenchido. Por que razão o faríamos a não ser por uma ambição e um desejo tais que só podem ter lugar desde o momento em que a alma sente o vazio próprio de quem não está bem servido? Todo o vazio contém poder e tudo aquilo que o ocupa determina-se pelas suas limitações e possibilidades. É interrogando que se encontra respostas; é caminhando que se alcança; é duvidando que se chega à certeza. Lutando connosco mesmos contra os erros e as imperfeições é que nos aperfeiçoamos. Atacando-as, questionando-as, havemos de alcançar uma perfeição maior. Questionar é um risco? Pois seja, mas não há outra via. Lutar connosco exige que o façamos com coragem, humildade, equilíbrio e confiança.

«Forte na sua confiança de um melhor conhecimento das coisas, o chefe deve manter-se firme como uma rocha, contra a qual vem-se despedaçar a onda. É um papel difícil. Aquele a quem a Natureza não dotou de um coração volúvel, cuja competência não foi ainda sancionada pela experiência militar e pelo treino, deverá ter como regra abandonar a via dos receios e orientar-se na direcção da esperança, mesmo a despeito da sua convicção íntima. Só esse meio lhe assegurará um verdadeiro equilíbrio» - Clausewitz, Da Guerra, Livro I, capítulo VI

«Pedi [vazio], e dar-se-vos-á [cheio]; buscai [vazio] e achareis [cheio]» - Lucas 11:9

Este é o fole da progressão: sístoles e diástoles do coração-caminhante.

1 comentário:

pedro disse...

O 'vazio' e o 'cheio' beneficiam de uma relação simbiótica assente na entropia; ou talvez seja mais correcto, assente num sistema continuado de entropias.

Enviar um comentário