quarta-feira, 31 de março de 2010
Aquiles vive? uma análise Baudrillariana
Havia, sem dúvida, um fascínio em Aquiles quando desejava ser imortal. Mas ele conseguiu-o. Ele é ressuscitado a partir de Homero e perdura até aos nossos dias. Que Aquiles é esse que nos fala, partindo do pressuposto que Homero é fiel ao herói? Aqui a questão não é propriamente essa - que Aquiles é real - pois Aquiles só é Aquiles porque Homero o descreveu.
Toda a oposição é esclarecedora pois funda-se num referencial, e aí estamos seguros (quando cremos numa determinada verdade, fazê-mo-lo graças ao seu oposto - o falso). O referencial está lá. Não é aí que reside qualquer perigo, ainda que o pólo de verdade se reverta e os dois se confundam (Deus/ Diabo; Bem/ Mal; Nós/ Eles). Qualquer que seja a opção, ela é segura.
Mas Aquiles já não tem este referencial de verdade. A data da morte de Aquiles estende-se pela eternidade enquanto o seu mito se eterniza - enquanto Aquiles se eterniza. O Eterno é a data da morte de Aquiles. Homero é o seu carrasco e salvador, pois Aquiles só morreu propriamente (só calou o seu desejo de imortalidade), quando viu satisfeito o seu desejo de imortalidade, ao eternizar-se, pois ao atingir a tão desejada imortalidade, deixou de lutar, perdeu toda a sua fascinação por ela, e extinguiu-se. Aquiles, agora, descansa finalmente em paz, pois é imortal. Homero (como nós também), matou-o ao eternizá-lo. Homero salvou-o.
A perda de referencial é esta: não há um processo de troca simbólico entre a vida eterna e o desaparecimento; eles tão pouco se equivalem. O absoluto implode. O hiper-real não se refere a coisa nenhuma, esgota-se em si mesmo, não encerra um significado. O Eterno é o lugar da morte.
Toda a oposição é esclarecedora pois funda-se num referencial, e aí estamos seguros (quando cremos numa determinada verdade, fazê-mo-lo graças ao seu oposto - o falso). O referencial está lá. Não é aí que reside qualquer perigo, ainda que o pólo de verdade se reverta e os dois se confundam (Deus/ Diabo; Bem/ Mal; Nós/ Eles). Qualquer que seja a opção, ela é segura.
Mas Aquiles já não tem este referencial de verdade. A data da morte de Aquiles estende-se pela eternidade enquanto o seu mito se eterniza - enquanto Aquiles se eterniza. O Eterno é a data da morte de Aquiles. Homero é o seu carrasco e salvador, pois Aquiles só morreu propriamente (só calou o seu desejo de imortalidade), quando viu satisfeito o seu desejo de imortalidade, ao eternizar-se, pois ao atingir a tão desejada imortalidade, deixou de lutar, perdeu toda a sua fascinação por ela, e extinguiu-se. Aquiles, agora, descansa finalmente em paz, pois é imortal. Homero (como nós também), matou-o ao eternizá-lo. Homero salvou-o.
A perda de referencial é esta: não há um processo de troca simbólico entre a vida eterna e o desaparecimento; eles tão pouco se equivalem. O absoluto implode. O hiper-real não se refere a coisa nenhuma, esgota-se em si mesmo, não encerra um significado. O Eterno é o lugar da morte.
terça-feira, 30 de março de 2010
Remember
Remember, I will still be here,
As long as you hold me,
As long as you hold me,
in your memory
Remember, when your dreams have ended,
Time can be transcended,
Just remember me
I am the one star that keeps burning, so brightly,
It is the last light, to fade into the rising sun
I'm with you,
Whenever you tell,
My story,
For I am all I've done
Remember, I will still be here,
As long as you hold me, in your memory,
Remember me
I am that one voice, in the cold wind,
That whispers,
And if you listen, you'll hear me call across the sky
As long as,
I still can reach out, and touch you,
Then I will never die
Remember, I'll never leave you,
If you will only,
Remember me
Remember me...
Remember, I will still be here,
As long as you hold me,
In your memory
Remember,
When your dreams have ended,
Time can be transcended,
I live forever,
Remember me
Remember me,
Remember... me...
Remember, when your dreams have ended,
Time can be transcended,
Just remember me
I am the one star that keeps burning, so brightly,
It is the last light, to fade into the rising sun
I'm with you,
Whenever you tell,
My story,
For I am all I've done
Remember, I will still be here,
As long as you hold me, in your memory,
Remember me
I am that one voice, in the cold wind,
That whispers,
And if you listen, you'll hear me call across the sky
As long as,
I still can reach out, and touch you,
Then I will never die
Remember, I'll never leave you,
If you will only,
Remember me
Remember me...
Remember, I will still be here,
As long as you hold me,
In your memory
Remember,
When your dreams have ended,
Time can be transcended,
I live forever,
Remember me
Remember me,
Remember... me...
Josh Groban, "Troy" OST
Corpo de Estilhaços
Vai alto da pira o fogo,
Nela arde um falso herói.
Guerras esquecidas,
Lembranças nunca havidas.
Fantasias. Ilusões.
E quase falou o fogo assim:
Buscando Paz,
Demandando amor -
(Sobe o fumo no ar) -
Tudo se desfaz.
É um falso demandar:
Buscar o quê do que não há.
Acreditei. Depois sofri.
E o pior não foi sofrer.
Quis. Tentei.
(Se ganhei ou não ganhei) -
É que o pior não foi perder.
Infinitivos desejei,
Meio a gerúndios tive que me calar,
Aqui e ali lembrei.
Os pretéritos ataram-me,
Os presentes abandonaram-me,
Do há-de vir pouco pensei.
Lamento -
Onde estiver a cinza diga o pó:
Esquecimento.
Pois eu o sou.
E vai já baixo da pira o fogo.
The Matrix / O Nirvana
Morpheus: Queres saber o que é [o Matrix]? O Matrix está por todo o lado. Rodeia-nos. Até agora, aqui mesmo nesta sala. Podes vê-lo quando olhas pela janela ou quando acendes a televisão. Podes senti-lo quando vais para o trabalho, quando vais à igreja, quando pagas impostos. É o mundo em que foste levado a acreditar para esconder a verdade.
Neo: Que verdade?
Morpheus: De seres um escravo. Tal como toda a gente, nasceste na escravidão, nasceste numa prisão que não consegues cheirar nem tocar. Uma prisão para a tua mente. Infelizmente, não se pode dizer a ninguém o que é o Matrix. Tens que vê-lo por ti mesmo.
Será esta uma descrição actual da libertação budista? Será desta "prisão" construída para cegar a mente que Buda se libertou alcançando o Nirvana? Será esta a verdade - de que somos escravos de algo - que temos de adquirir? Finalmente as más notícias: cada um chegue lá pelo seu próprio braço ("Infelizmente, não se pode dizer a ninguém o que é o Matrix. Tens que vê-lo por ti mesmo").
Neo: Que verdade?
Morpheus: De seres um escravo. Tal como toda a gente, nasceste na escravidão, nasceste numa prisão que não consegues cheirar nem tocar. Uma prisão para a tua mente. Infelizmente, não se pode dizer a ninguém o que é o Matrix. Tens que vê-lo por ti mesmo.
Será esta uma descrição actual da libertação budista? Será desta "prisão" construída para cegar a mente que Buda se libertou alcançando o Nirvana? Será esta a verdade - de que somos escravos de algo - que temos de adquirir? Finalmente as más notícias: cada um chegue lá pelo seu próprio braço ("Infelizmente, não se pode dizer a ninguém o que é o Matrix. Tens que vê-lo por ti mesmo").
Acerca do "arquitecto"
"Apanhei-te arquitecto, nunca mais tornarás a construir-me" (Buda ao atingir o Nirvana). Que quer isto dizer? Talvez: "Alcancei-te sabedoria. Já não guardas mistérios para mim". É uma hipótese. Mas a ideia expressa em "arquitecto" é digna de destaque. Ao que parece os maçons chamam ao "Ser Supremo" (Deus?), arquitecto (Grande Arquitecto do Universo). Referem-se à sabedoria? Parece que sim, e a ideia não é propriamente nova. Já em Provérbios, ao descrever a origem da sabedoria como remontando ao início dos tempos, antes de Deus ter sequer criado o Universo, dizia Salomão: "Então [no princípio do Universo] eu [a sabedoria] estava com ele, e era seu arquitecto" (Provérbios 8:30).
Detectada a equivalência arquitecto/ sabedoria, não quero, nem posso, ir mais além para tirar outras ilações, quem sabe ilegítimas. Por isso quero apenas firmar âncora em "sabedoria". Algumas outras citações de Provérbios:
«O que adquire sabedoria ama a sua própria alma» (Pv. 19:8)
«O que me acha [à sabedoria] acha a vida» (Pv. 8:35)
«Eu, a sabedoria, habito com a prudência» (Pv. 8:12)
«[a sabedoria] é árvore de vida para os que a abraçam» (Pv. 3:18)
«Ele [o Senhor] reserva a verdadeira sabedoria para os rectos» (Pv. 2:7)
«A sabedoria é suprema; portanto, adquire a sabedoria. Sim, com tudo o que possuis adquire o entendimento» (Pv. 4:7)
Por fim, para desenjoar a fonte e lançar um pouco de luz, Tao Te Ching:
«Aquele que conhece os outros possui conhecimento; aquele que se conhece a si próprio possui sabedoria» (estrofe 33)
Então, sabedoria será conhecer-se a si mesmo? É disso que nos fala Salomão? Provavelmente. Conhecer tudo o que há no mundo seria um inútil acumular de conhecimentos, podemos constatar isso nos dias de hoje. O Homem, com toda a informação de que dispõe, facilmente fica submerso num oceano de informação (só a televisão e a internet chegam para fazer este trabalho). Há (ou pode haver) uma perda de referencial no universo do conhecimento. Mas o referencial não se pode perder; a alma tem horror ao vazio. Então, quem nos pode valer neste caso? as emoções, aquilo que nos faz sentir humanos, seguros em "território conhecido". O problema é que as emoções podem facilmente tiranizar-nos; facilmente ficamos escravos das emoções, pois não vislumbramos mais nada, nem nenhuma outra coisa tão agradável e recompensadora. Então, adquirida a consciência da escravidão, qual pode ser a saída? conhecermo-nos a nós mesmos, dominarmo-nos a nós mesmos, vencermo-nos a nós mesmos - adquirir a sabedoria.
Detectada a equivalência arquitecto/ sabedoria, não quero, nem posso, ir mais além para tirar outras ilações, quem sabe ilegítimas. Por isso quero apenas firmar âncora em "sabedoria". Algumas outras citações de Provérbios:
«O que adquire sabedoria ama a sua própria alma» (Pv. 19:8)
«O que me acha [à sabedoria] acha a vida» (Pv. 8:35)
«Eu, a sabedoria, habito com a prudência» (Pv. 8:12)
«[a sabedoria] é árvore de vida para os que a abraçam» (Pv. 3:18)
«Ele [o Senhor] reserva a verdadeira sabedoria para os rectos» (Pv. 2:7)
«A sabedoria é suprema; portanto, adquire a sabedoria. Sim, com tudo o que possuis adquire o entendimento» (Pv. 4:7)
Por fim, para desenjoar a fonte e lançar um pouco de luz, Tao Te Ching:
«Aquele que conhece os outros possui conhecimento; aquele que se conhece a si próprio possui sabedoria» (estrofe 33)
Então, sabedoria será conhecer-se a si mesmo? É disso que nos fala Salomão? Provavelmente. Conhecer tudo o que há no mundo seria um inútil acumular de conhecimentos, podemos constatar isso nos dias de hoje. O Homem, com toda a informação de que dispõe, facilmente fica submerso num oceano de informação (só a televisão e a internet chegam para fazer este trabalho). Há (ou pode haver) uma perda de referencial no universo do conhecimento. Mas o referencial não se pode perder; a alma tem horror ao vazio. Então, quem nos pode valer neste caso? as emoções, aquilo que nos faz sentir humanos, seguros em "território conhecido". O problema é que as emoções podem facilmente tiranizar-nos; facilmente ficamos escravos das emoções, pois não vislumbramos mais nada, nem nenhuma outra coisa tão agradável e recompensadora. Então, adquirida a consciência da escravidão, qual pode ser a saída? conhecermo-nos a nós mesmos, dominarmo-nos a nós mesmos, vencermo-nos a nós mesmos - adquirir a sabedoria.
domingo, 28 de março de 2010
O laço
Há uma diferença entre amar e possuir: "O laço do amor, se for demasiado apertado, acaba por matar aquilo que se ama" (The Silent Flute). Não é bonito de se dizer, mas quantas vezes o amor é apenas uma forma de opressão? Há, entre os dois, uma linha invisível difícil de perceber e fácil de atravessar.
A luz
Não desejo possuir
Nem ser possuído
Já não procuro o Paraíso
e mais importante, não temo o Inferno.
O remédio para o meu sofrimento
Desde o princípio que o tinha em mim
Mas não o tomei.
A minha dor provinha de mim próprio
Mas só o constatei neste momento.
Agora vejo que nunca encontrarei a luz
A menos que, tal como uma vela,
Eu seja o meu próprio combustível
Consumindo-me...
The Silent Flute, 1978
Nem ser possuído
Já não procuro o Paraíso
e mais importante, não temo o Inferno.
O remédio para o meu sofrimento
Desde o princípio que o tinha em mim
Mas não o tomei.
A minha dor provinha de mim próprio
Mas só o constatei neste momento.
Agora vejo que nunca encontrarei a luz
A menos que, tal como uma vela,
Eu seja o meu próprio combustível
Consumindo-me...
The Silent Flute, 1978
A Paz - subsídio para o Programa deste Blog
A paz não pode ser encontrada senão dentro do nosso íntimo, na nossa solidão interior, individualmente.
Desengane-se quem acredita na paz mundial e outras utupias e El Dorados na Terra. Nenhuma colectividade entre os homens, nenhuma organização, visa a paz ou procura a paz, por mais que o diga - nem política, nem religiosa, nenhuma! Se assim fosse, com tanto dinheiro, conhecimentos e braços de que todas essas organizações dispõem, a paz já seria uma realidade. Pelo contrário, todas elas visam a expansão, pois, como dizia Heraclito: "a guerra é a origem de todas as coisas". Quer dizer: Éris (conflito) é aquilo que mantém a "máquina" a funcionar.
O único lugar da Paz é dentro de nós. É disso que estou a falar desde o início: o combate é connosco mesmos, a vitória é sobre nós mesmos, o domínio é o domínio de nós mesmos, a Paz é o nosso prémio e, ou é a "nossa Paz" ou então não é paz nenhuma.
Conta-se (não posso confirmar), que Buda ao atingir a libertação (Nirvana), terá dito: "Apanhei-te, arquitecto, nunca mais tornarás a construir-me". Cada um tire as suas ilações.
Desengane-se quem acredita na paz mundial e outras utupias e El Dorados na Terra. Nenhuma colectividade entre os homens, nenhuma organização, visa a paz ou procura a paz, por mais que o diga - nem política, nem religiosa, nenhuma! Se assim fosse, com tanto dinheiro, conhecimentos e braços de que todas essas organizações dispõem, a paz já seria uma realidade. Pelo contrário, todas elas visam a expansão, pois, como dizia Heraclito: "a guerra é a origem de todas as coisas". Quer dizer: Éris (conflito) é aquilo que mantém a "máquina" a funcionar.
O único lugar da Paz é dentro de nós. É disso que estou a falar desde o início: o combate é connosco mesmos, a vitória é sobre nós mesmos, o domínio é o domínio de nós mesmos, a Paz é o nosso prémio e, ou é a "nossa Paz" ou então não é paz nenhuma.
Conta-se (não posso confirmar), que Buda ao atingir a libertação (Nirvana), terá dito: "Apanhei-te, arquitecto, nunca mais tornarás a construir-me". Cada um tire as suas ilações.
sábado, 27 de março de 2010
Quem é melhor?
«Melhor é o longânimo do que o valente, e o que doma o seu coração do que o que toma uma cidade» - Provérbios, 16:32
Fado Tropical
"Meu coração tem um sereno jeito,
E as minhas mãos o golpe duro e presto.
De tal maneira que, depois de feito,
Desencontrado, eu mesmo me contesto.
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto.
E se meu coração nas mãos estreito,
Me assombra a súbita impressão de incesto.
Quando me encontro no calor da luta,
Ostento a aguda empunhadura à proa;
Mas o meu peito se desabotoa.
E se a sentença se anuncia bruta,
Mais que depressa a mão cega executa,
Pois que senão o coração perdoa"
Chico Buarque d’Holanda
Imortalidade
Dizemos querer ser imortais quando, na verdade, o que queremos é ser amados. Se fôssemos realmente amados o que mais poderíamos pedir à vida?!