sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Vacte Animo!

«Não conheço facto mais encorajador que a inquestionável capacidade do homem para elevar sua vida através de um esforço consciente»
Henry David Thoreau



«Devemos ir buscar a coragem ao nosso próprio desespero»
Séneca, Questões Naturais


«A coragem é filha da prudência, não da temeridade»
Pedro Barca


«A coragem real é mais paciente que audaciosa»
Étienne Sénancour


«A bravura provém do sangue, a coragem provém do pensamento»
Napoleão Bonaparte


«A única coragem é falarmos na primeira pessoa»
Arthur Adamov


«A coragem é a primeira das qualidades humanas, porque garante todas as outras»
Aristóteles

terça-feira, 14 de setembro de 2010

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Dies Ater

Dia negro

terça-feira, 22 de junho de 2010

Virtus Omnia Vincit

Virtus omnia vincit - a virtude vence tudo.
Existem duas vias para as coisas nos sucederem na vida: por virtude e por sorte (melhor dizendo, acaso). Quando não nos é possível explicar, dar conta, de como algo nos aconteceu; quando, contrariando a lei de causa-efeito, colhemos algo (de bom ou mau) que não houvéramos semeado, estamos sob o signo da fortuna. Muitas coisas sucedem deste modo, o que, considerando o todo do género humano, costuma ser regra geral. Mas existe um modo diverso deste em que é o homem que faz a hora (virtude) e não a hora que faz o homem (fortuna). Maquiavel abordou suficientemente estes dois conceitos ao longo de "O Príncipe":

«admito que seja verdade que a fortuna possa ser determinante de metade das vossas acções, mas que, ainda assim, deixa, a cada um de nós, a possibilidade de decidir sobre a outra metade, ou muito perto disso» - cap. XXV
«um príncipe que se apoia exclusivamente na fortuna está sujeito à ruína, conforme ela varia» - cap. XXV
«as formas de defesa só são boas, fiáveis e duradouras quando dependem de vós e da vossa virtude» - cap. XXIV

Tal como na cultura romana, Maquiavel referia-se à virtú não na acepção de moralidade (de cunho marcadamente judaico-cristão), mas como capacidade adquirida, desenvolvida e cultivada por alguém, capacidade essa que permitia intervir no decurso da vida humana (pessoal, social, histórica), moldando o seu rumo por forma a construir os acontecimentos dela e não a ser seu objecto passivo e inerte. Alguém que detenha essa virtú é alguém que controla (até onde lhe é dado) o seu "destino"; é alguém que começa por aceitar a sua responsabilidade nele; e, o que é mais, alguém que escolhe conscientemente ter um papel interventivo e activo nos acontecimentos. Isto apela, antes de tudo, à consciência. Quando algo é feito conscientemente, acontece como previsto.

«Golpear com precisão não é o mesmo que acertar um golpe. Seja qual for o tipo de ataque, a pessoa deve antes determinar como será o golpe e depois executá-lo exactamente como planeou. Por outro lado, acertar um golpe não é nada mais do que isso, mesmo que ele seja forte o bastante para matar o adversário. Golpear com precisão significa definir mentalmente o golpe que se irá aplicar e colocá-lo em prática assim como foi planeado» - Miyamoto Musashi, O Livro dos Cinco Anéis

Isto significa apenas uma consciência clara de que uma acção se deveu unicamente ao nosso esforço. A virtude é a capacidade eminente de dar conta de como fizémos algo; algo que aconteceu sem nenhuma intervenção do acaso. Virtude na nossa acepção tem a sua origem no espanto original por alguma coisa feita, não no "acerto" conforme a um Bem ideal.
"Virtus Omnia Vincit" quer dizer: as capacidades superam as dificuldades; o esforço consciente acaba sempre por, mais tarde ou mais cedo, sobrepujar todos os impedimentos; a dedicação persistente e empenhada (um alerta para a dimensão "tempo" aqui referida), vence tudo. "Tudo é possível ao que crê" surge, indubitavelmente, nesta linha. "A virtude vence tudo" é um apelo e uma promessa: torna-te capaz; enche-te de capacidade, e os obstáculos cairão. Cultiva o teu espírito; torna-te forte; aperfeiçoa-te, e não serás vencido. Mantém-te firme e nada te dominará para sempre: a vitória chegará sem dúvida.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A lei do leão - Quem é "o outro"?

Qual é o maior inimigo do leão? Excepção feita ao homem, o leão não tem predadores - na savana ninguém ataca o leão. Então, qual é o maior (e o único) inimigo do leão? Na hierarquia social dos leões o primeiro animal a alimentar-se do que é caçado pela leoa é o macho alfa, o macho dominante, o mais forte dos jovens machos. A presa é, assim, distribuída hierarquicamente do mais forte para o mais fraco. No fim ficam os animais mais debilitados, sem acesso à comida. Está, portanto, respondida a nossa questão inicial: o leão morre de fome quando é chegada a sua velhice, a sua incapacidade de chegar suficientemente perto do topo da hierarquia para se poder alimentar. Quem é, então, o seu maior inimigo? Os outros leões? Sim, de certa maneira, mas não exactamente, porque a situação de inferioridade em que o velho leão se encontra é aquela a que ele próprio, um dia, relegou outros leões do seu grupo na altura em que, sendo mais forte, não tinha problemas de acesso à comida. Portanto, pode dizer-se com muito acerto que o maior inimigo do leão não é outro leão, mas sim ele próprio, ou mais correctamente, a sua "política" pessoal (se tal expressão se pudesse aplicar a um ser irracional), a que ele não se pode eximir pois não tem, como o homem, a faculdade de proceder de outro modo. Isto sim, pode ser considerado um fatalismo: é da constituição íntima, genética, do leão e ele não pode contrariá-la. O maior inimigo do leão é ele próprio.
Quanto ao homem passa-se (salvaguardadas as devidas distâncias) algo de semelhante. Realmente costuma ser a nossa "política" de vida, os princípios que nos regem, aquilo em que acreditamos, a maneira como tratamos os outros, que acabam por ser nossos carrascos e, em boa ou má hora, voltar-se contra nós mesmos. No que toca ao ser humano não podemos dizer que tal é lei (pois admite excepções), mas é, isso sim, regra geral. Quando o ditado diz "quem pela espada mata, pela espada morre", é enunciada uma regra baseada no bom-senso e do domínio das probabilidades (não será, também, provável, que um ferreiro queime os dedos?). Tal como disse, no que toca ao homem, isto não constitui lei mas, também para o nosso caso, a lição dos leões é muitíssimo válida. Consoante os nossos valores, assim agimos; consoante agimos, assim colhemos. Verdadeiramente tudo começa no nosso íntimo, e essa típica analogia de que o "Universo" espelha o nosso mundo interior não pode ser facilmente descartada, mas antes, bem entendida. O nosso mundo interior é aquilo em que acreditamos, são os nossos valores, as coisas com que nos identificamos. Tudo começa aí. O que recebemos acaba por ser a "frutificação" disso. Sementeira-colheita. Causa-efeito. O que não devemos é julgar que o processo começa nos actos: o acto é já um efeito do mais íntimo. O íntimo é o legislador do que colhemos a todo o instante. Se vivermos pela lei do leão, estamos sob a lei do leão. Se vivermos pela lei do amor, estamos sob a lei do amor. Quem será melhor juiz? Sob que lei queremos viver? Que valores queremos criar em nós? Cada um decida por si mesmo.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O que tem Cristo de notável?

Em todas as eras se louvou a resistência à adversidade; a capacidade para enfrentar dificuldades, os elementos naturais, todo o tipo de abismos, feras, monstros alados e marinhos, sejam dragões chamejantes, Hidras, Adamastores, Ciclopes, e por aí fora. Aparte o que tudo isto tem de mítico (no sentido próprio: falso) e simbólico, o fundo essencial mantém-se original, ou seja, a história do enfrentamento, do valor sublime do enfrentamento.
Nas histórias do cancioneiro militar de todas as culturas a arrogância guerreira do desprezo pela morte foi sempre cantado. Num dos mitos germânicos um herói ri-se à gargalhada enquanto lhe arrancam o coração, desprezando a sua própria desgraça. Na narrativa de Alcácer-Quibir um dos pares de D. Sebastião teria dito: "morremos aqui todos", ao que D. Sebastião esporeia o ginete de encontro ao turbilhão da batalha. Na invasão da Polónia pelo III Reich os polacos carregaram a cavalo contra os blindados nazis e o dia comemorativo da Legião Estrangeira celebra também uma rotunda derrota: o dia de Camerone, cidade do México onde umas dezenas de homens enfrentaram milhares de mexicanos até à morte (mais tarde, em Dien Bien Phu, a Legião haveria de escrever uma nova versão de Camerone). Mas o que significa tudo isto realmente? Significa que é no pior da vida, naquilo que nela há de pior, de mais trágico, de mais injusto, infeliz, adverso, é aí que a alma humana mostra o valor, a coragem, o quilate, a nobreza. É isso que todas essas histórias significam. E retomando o nosso tema, a história de Cristo não é das menores. É, na verdade, debaixo das chicotadas, dos pregos da cruz, das lançadas, do sangue vertido, que ele se afirma como deus. Sem esse caudal de sangue não haveria (aos nossos olhos - quer nos agrade ou não), nenhuma divindade nele. Porquê? Que significa tudo isso além de remissão, justificação, perdão e sacrifício? Simboliza um magnífico desprezo pelo inimigo e pelo ódio com que ele ataca e nos tortura. Significa que perante a morte (a própria morte), a desfiguração do nosso corpo, a mutilação da carne, a injúria ao espírito, o desprezo da populaça para com os nossos valores, os valores opostos com que nos identificamos (Cristo ensinou a amar os inimigos, não a liquidá-los), mostramos um desprezo pela adversidade que diviniza. Depois de ensinar a todos o sermão da montanha (cf.) o que poderia Cristo fazer por si próprio? Se ele reunisse uma hoste para se defender dos romanos desmentia-se. Se invocasse os anjos do Céu para o livrarem da espada dos inimigos, que deus era esse? um deus que teme pelo seu corpo (corpo que desvalorizava); um deus que teme a morte física (morte que disse nada ser); um deus que trairia tudo aquilo que ensinara. Não seria mais que um cínico, com belas palavras e lirismos, mas com um apego à carne tão lascivo como qualquer outro de nós.
Cristo - é isto que nele há de notável, porém não único - é aquele que despreza o inimigo (ou mais exactamente, os actos do inimigo) a ponto de nem sequer se tentar defender. É aquele que o vê avançar para si e não foge. É aquele que ouve a sua própria sentença de morte e não vacila. Sentença injusta, porque o seu "crime" não foi outro senão pregar a paz, o amor e a justiça. Não importa que a sentença seja injusta: ele despreza o ódio do inimigo, ele ri-se do mal, não o paga com outro tanto. Não é apenas coerente, é corajoso (fisicamente inclusivé), é magnífico, é nobre e valoroso. Na essência há nele um fundo de valor guerreiro no desprezo pela morte e pela destruição.
Muitos homens são nobres pelo sangue recebido; porém, outros o são pelo sangue vertido.